A literatura judaica é
pouco conhecida no Brasil. Alguns já ouviram falar em Amós OZ, mas
poucos em Aharon APPELFELD e Shmuel Yosef AGNON.
Para o festejado
crítico literário Israelense, Gershon SHAKED, Appelfeld é “o mais judeu dos
escritores israelenses". Sua literatura é comparada a de Mestres
Universais como Franz KAFKA.
Sobrevivente do
Holocausto, eis que são justamente os se encontram no raio de ação deste
famigerado cataclismo, que Appelfeld filma com sua câmera distante, fria e
cruelmente neutra, segundo o psicanalista Davy BOGOMOLETZ.
As Obras de Appelfeld
são de grande provocação intelectual e psicológica, motivo pelo qual é apontado
como um dos maiores Escritores Israelenses da modernidade. Em 1983, ele foi
agraciado com o Prêmio Israel de Literatura e em
2005 com o Prêmio Nelly Sachs.
Infelizmente, entre
nós, brasileiros, o estudo de sua Obra permanece restrita aos elevados círculos
acadêmicos. Há cerca de um ano, tive a oportunidade de adquirir as traduções
das novelas Badenheim, 1939 e Tzili.
Badenheim retrata
Judeus em processo de assimilação cultural, surpreendidos pelo advento do
terror nazi-fascista. A Obra se reveste de extrema importância, pois vários
paralelos podem ser traçados com a colônia judaico-alemã de Rolândia, retratada
e analisada por Ethel KOSMINSKY em sua Obra Rolândia, A Terra Prometida -
Judeus Refugiados do Nazismo no Norte do Paraná, São Paulo: CEJ, FFLCH/USP,
1985 e substrato do romance A Travessia da Terra Vermelha, de Lucius de
Mello.
Para Rifka
BEREZIN, Docente de Língua e Literatura Hebraica da Universidade de São Paulo,
(...) nos primeiros anos após a guerra, o Holocausto foi expresso somente na
poesia israelense. Na prosa, as primeiras obras importantes sobre este tema só
apareceram em Israel nos anos cinqüenta.
Um testemunho
autêntico sobre este Tema foi dado pelos escritores que passaram sua infância
nas terras do Holocausto, foram salvos por milagre e trazidos para Israel.
Esses meninos foram educados em Israel, mas carregavam no seu interior os
horrores e as perseguições por que passaram na infância.
Eles cresceram como
sabras, mas nos seus sonhos ainda eram vítimas e perseguidos. Aharon Appelfeld,
que passou sua infância no inferno do Holocausto e foi trazido para Israel na
adolescência, é um destes escritores.
Educado nos novos
valores israelenses, cresceu como sabra; entretanto, nas suas obras literárias
retorna às lembranças da sua infância perdida. Medo e perseguição os são
motivos centrais nas suas obras. Para ele, o homem judeu que passou pelo
Holocausto não poderá jamais apagá-lo de sua mente. Ele é marcado pelo seu
passado e pelas suas lembranças (...)
Sobre Badenheim, 1939
e Tzili selecionamos alguns comentários do psicanalista carioca Davy
BOGOMOLETZ em seu Ensaio Aharón Appelfeld e o
entortamento das almas: É verdade que Appelfeld nos expõe um
verdadeiro “museu de monstros”, um estranhíssimo ajuntamento de judeus meio ou
inteiramente assimilados, cada qual com sua fórmula particular para romper os
vínculos com sua origem e pretender-se cidadão da nova “pátria”.
Todos eles, um por um,
vivem tortos como aquelas plantas que, tendo brotado num lugar escuro, espicham
seu caule e o lançam para o lado e depois para cima, em direção à luz. Sim,
isto é verdade. Vemos ali “monstros étnicos” de todos os gêneros: uma linda
coleção de bezerros de duas cabeças, cães que miam e mulheres barbadas que
comem pregos. Mas por que o estranhamento em relação a essa estranheza?
O que vemos na
literatura européia em geral, quando fala da mesma época? O que vemos, por
exemplo, no clássico “Pequenos Burgueses”, de CHEKOV? O que vemos em “O Bravo
Soldado SCHEIK”, ou em Os Irmãos Karamazov (DOSTOIEVSKY), ou na obra
de DICKENS em geral, ainda que esta fale de uma época anterior?
O que nos contam ZOLA,
BALZAC e o próprio Thomas MANN, com sua “montanha mágica” tão coalhada de
personagens estapafúrdios e absolutamente alienados, onde o
estapafúrdio-mestre, o professor Behrens, faz o papel que, em Badenheim, cabe
ao Dr. Pappenheim?
Por que, então,
estranhar os pobres judeuzinhos de Appelfeld como se eles se comportassem de um
modo muito diferente de tantos outros personagens da literatura européia
contemporânea ou anterior, que não estava interessada em “assimilados” nem em
“desenraizados” de espécie alguma?
O que há de diferente
entre a turma que invade Badenheim e o grupo que se despeja em Veneza, onde
transcorre a ação de Morte em Veneza, do mesmo Thomas Mann?
Mann não fala de judeus, Balzac não fala de judeus, Dickens não fala de judeus, mas quando chegamos a Appelfeld, os críticos definem-no como alguém que “fala de judeus” e de judeus que são retratados como o são por tentarem se assimilar, como se Appelfeld estivesse descrevendo a triste sorte (ou castigo, como absurdamente sugerem alguns) desses “traidores” da identidade nacional, e não seres humanos tragados, esmagados, estupidificados pela sociedade européia global que ao longo de sua História arrebentou e degradou sistematicamente a todos, não só aos judeus. (...)
Esse é o “efeito
Appelfeld”. Ele mostra algo, e cabe a mim e a você, que o lemos, completar a
figura com o que nela está visivelmente faltando - a explosão atômica que a
tudo destroça e a tudo dilacera, e nos escandalizarmos retroativamente com sua
infinita crueldade. (...)
Appelfeld exibe os
resultados da explosão (“Tzili”), e nos coage a nos indignarmos contra ela. Ou
então descreve os preâmbulos da explosão (“Badenheim”), e nos obriga a nos
indignarmos com o que sabemos que logo vai acontecer.
Nossa herança é a
impotência, o sentimento arrasador da impossibilidade de fazer seja lá o que
for. Nós nos identificamos com seus personagens, mas apenas na medida em que
neles vemos o que temos de pior - nossa face que não pode ser mostrada nem a
nós mesmos, nossa própria cara quando sofremos um pesadelo durante a noite.
Com esse espelho
mágico, ele mostra ao seu leitor o que qualquer ser humano jamais olharia por
livre e espontânea vontade. Sendo assim, não seria a catástrofe nazista o
assassinato do que chamamos a livre e espontânea vontade?(...)
É essa a denúncia terrível,
é esse o grito contido, suspenso, é esse o terror que se aproxima, ou que
acabou de passar, após o qual nunca nada mais será o mesmo, e é essa a visão
que Appelfeld nos exibe.
A ele meu mais
profundo respeito, por me haver esfregado a cara na vergonha de não ter sofrido
como aqueles que estiveram “lá”, e ele o faz de um modo que não me dá nem o
direito de protestar.
Alguém disse: Egito,
Babilônia, Primeiro Templo, Segundo Templo, Massada, Espanha, e agora
Holocausto. Sim, são marcas indeléveis, são cicatrizes que talvez um dia
pararão de sangrar, mas que jamais pararão de doer.
Appelfeld constrói um monumento em honra dos destroçados, diante do qual caímos de joelhos. Não por veneração, coisa proibida pelo judaísmo, mas pela impotência de permanecermos de pé.
Essa obra, segundo a
visão de BOGOMOLETZ, apaga a fronteira entre vida e literatura. Appelfeld não
faz arte no sentido clássico da palavra. Ele faz Antropologia - a antropologia
do estraçalhado - revestida de beleza, ainda que mortal. Ele faz História - a
História de um cataclismo - revestida de arte, ainda que terrível.
Ele ergue um monumento
construído de palavras, um monumento mais concreto e mais brutal, em sua
violenta denúncia terrivelmente muda, que todos os outros monumentos possíveis.
Appelfeld não é apenas
um artista, se assim posso dizer, para finalizar. Ele é uma testemunha de
acusação absolutamente fundamental no tribunal da História. Registramos
esta dica de leitura para os amigos deste Blog.
Parabéns pelo seu aniversário Paulinho!
ResponderExcluirTenho muito orgulho de ser sua irmã.
Te amo muito...Tassia.
Parabéns também pelo blog e pelas fotos lindas!
Tássia, muito obrigado pelo carinho e afeto!
ResponderExcluirTbm considero um privilégio ser ser Irmão!
Parabéns pelo Blog e por este texto sobre um dos maiores ícones da Literatura Israelense da modernidade!
ResponderExcluir:)
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