sábado, 18 de dezembro de 2010

Literatura Judaica: Aharon Appelfeld


A literatura judaica é pouco conhecida no Brasil. Alguns já ouviram falar em Amós OZ, mas poucos em Aharon APPELFELD e Shmuel Yosef AGNON.

Para o festejado crítico literário Israelense, Gershon SHAKED, Appelfeld é “o mais judeu dos escritores israelenses".  Sua literatura é comparada a de Mestres Universais como Franz KAFKA.

Sobrevivente do Holocausto, eis que são justamente os se encontram no raio de ação deste famigerado cataclismo, que Appelfeld filma com sua câmera distante, fria e cruelmente neutra, segundo o psicanalista Davy BOGOMOLETZ.

As Obras de Appelfeld são de grande provocação intelectual e psicológica, motivo pelo qual é apontado como um dos maiores Escritores Israelenses da modernidade. Em 1983, ele foi agraciado com o Prêmio Israel de Literatura e em 2005 com o Prêmio Nelly Sachs.

Infelizmente, entre nós, brasileiros, o estudo de sua Obra permanece restrita aos elevados círculos acadêmicos. Há cerca de um ano, tive a oportunidade de adquirir as traduções das novelas Badenheim, 1939 e Tzili.

Badenheim retrata Judeus em processo de assimilação cultural, surpreendidos pelo advento do terror nazi-fascista. A Obra se reveste de extrema importância, pois vários paralelos podem ser traçados com a colônia judaico-alemã de Rolândia, retratada e analisada por Ethel KOSMINSKY em sua Obra Rolândia, A Terra Prometida - Judeus Refugiados do Nazismo no Norte do Paraná, São Paulo: CEJ, FFLCH/USP, 1985 e substrato do romance A Travessia da Terra Vermelha, de Lucius de Mello.  

Para Rifka BEREZIN, Docente de Língua e Literatura Hebraica da Universidade de São Paulo, (...) nos primeiros anos após a guerra, o Holocausto foi expresso somente na poesia israelense. Na prosa, as primeiras obras importantes sobre este tema só apareceram em Israel nos anos cinqüenta.

Um testemunho autêntico sobre este Tema foi dado pelos escritores que passaram sua infância nas terras do Holocausto, foram salvos por milagre e trazidos para Israel. Esses meninos foram educados em Israel, mas carregavam no seu interior os horrores e as perseguições por que passaram na infância.

Eles cresceram como sabras, mas nos seus sonhos ainda eram vítimas e perseguidos. Aharon Appelfeld, que passou sua infância no inferno do Holocausto e foi trazido para Israel na adolescência, é um destes escritores.

Educado nos novos valores israelenses, cresceu como sabra; entretanto, nas suas obras literárias retorna às lembranças da sua infância perdida. Medo e perseguição os são motivos centrais nas suas obras. Para ele, o homem judeu que passou pelo Holocausto não poderá jamais apagá-lo de sua mente. Ele é marcado pelo seu passado e pelas suas lembranças (...)

Sobre Badenheim, 1939 e Tzili selecionamos alguns comentários do psicanalista carioca Davy BOGOMOLETZ em seu Ensaio Aharón Appelfeld e o entortamento das almas: É verdade que Appelfeld nos expõe um verdadeiro “museu de monstros”, um estranhíssimo ajuntamento de judeus meio ou inteiramente assimilados, cada qual com sua fórmula particular para romper os vínculos com sua origem e pretender-se cidadão da nova “pátria”.

Todos eles, um por um, vivem tortos como aquelas plantas que, tendo brotado num lugar escuro, espicham seu caule e o lançam para o lado e depois para cima, em direção à luz. Sim, isto é verdade. Vemos ali “monstros étnicos” de todos os gêneros: uma linda coleção de bezerros de duas cabeças, cães que miam e mulheres barbadas que comem pregos. Mas por que o estranhamento em relação a essa estranheza?

O que vemos na literatura européia em geral, quando fala da mesma época? O que vemos, por exemplo, no clássico “Pequenos Burgueses”, de CHEKOV? O que vemos em “O Bravo Soldado SCHEIK”, ou em Os Irmãos Karamazov (DOSTOIEVSKY), ou na obra de DICKENS em geral, ainda que esta fale de uma época anterior?

O que nos contam ZOLA, BALZAC e o próprio Thomas MANN, com sua “montanha mágica” tão coalhada de personagens estapafúrdios e absolutamente alienados, onde o estapafúrdio-mestre, o professor Behrens, faz o papel que, em Badenheim, cabe ao Dr. Pappenheim?

Por que, então, estranhar os pobres judeuzinhos de Appelfeld como se eles se comportassem de um modo muito diferente de tantos outros personagens da literatura européia contemporânea ou anterior, que não estava interessada em “assimilados” nem em “desenraizados” de espécie alguma?

O que há de diferente entre a turma que invade Badenheim e o grupo que se despeja em Veneza, onde transcorre a ação de Morte em Veneza, do mesmo Thomas Mann?

Mann não fala de judeus, Balzac não fala de judeus, Dickens não fala de judeus, mas quando chegamos a Appelfeld, os críticos definem-no como alguém que “fala de judeus” e de judeus que são retratados como o são por tentarem se assimilar, como se Appelfeld estivesse descrevendo a triste sorte (ou castigo, como absurdamente sugerem alguns) desses “traidores” da identidade nacional, e não seres humanos tragados, esmagados, estupidificados pela sociedade européia global que ao longo de sua História arrebentou e degradou sistematicamente a todos, não só aos judeus. (...)

Esse é o “efeito Appelfeld”. Ele mostra algo, e cabe a mim e a você, que o lemos, completar a figura com o que nela está visivelmente faltando - a explosão atômica que a tudo destroça e a tudo dilacera, e nos escandalizarmos retroativamente com sua infinita crueldade. (...)

Appelfeld exibe os resultados da explosão (“Tzili”), e nos coage a nos indignarmos contra ela. Ou então descreve os preâmbulos da explosão (“Badenheim”), e nos obriga a nos indignarmos com o que sabemos que logo vai acontecer.

Nossa herança é a impotência, o sentimento arrasador da impossibilidade de fazer seja lá o que for. Nós nos identificamos com seus personagens, mas apenas na medida em que neles vemos o que temos de pior - nossa face que não pode ser mostrada nem a nós mesmos, nossa própria cara quando sofremos um pesadelo durante a noite.

Com esse espelho mágico, ele mostra ao seu leitor o que qualquer ser humano jamais olharia por livre e espontânea vontade. Sendo assim, não seria a catástrofe nazista o assassinato do que chamamos a livre e espontânea vontade?(...)

É essa a denúncia terrível, é esse o grito contido, suspenso, é esse o terror que se aproxima, ou que acabou de passar, após o qual nunca nada mais será o mesmo, e é essa a visão que Appelfeld nos exibe.

A ele meu mais profundo respeito, por me haver esfregado a cara na vergonha de não ter sofrido como aqueles que estiveram “lá”, e ele o faz de um modo que não me dá nem o direito de protestar.

Alguém disse: Egito, Babilônia, Primeiro Templo, Segundo Templo, Massada, Espanha, e agora Holocausto. Sim, são marcas indeléveis, são cicatrizes que talvez um dia pararão de sangrar, mas que jamais pararão de doer.

Appelfeld constrói um monumento em honra dos destroçados, diante do qual caímos de joelhos. Não por veneração, coisa proibida pelo judaísmo, mas pela impotência de permanecermos de pé.

Essa obra, segundo a visão de BOGOMOLETZ, apaga a fronteira entre vida e literatura. Appelfeld não faz arte no sentido clássico da palavra. Ele faz Antropologia - a antropologia do estraçalhado - revestida de beleza, ainda que mortal. Ele faz História - a História de um cataclismo - revestida de arte, ainda que terrível.

Ele ergue um monumento construído de palavras, um monumento mais concreto e mais brutal, em sua violenta denúncia terrivelmente muda, que todos os outros monumentos possíveis.

Appelfeld não é apenas um artista, se assim posso dizer, para finalizar. Ele é uma testemunha de acusação absolutamente fundamental no tribunal da História.  Registramos esta dica de leitura para os amigos deste Blog.



4 comentários:

  1. Parabéns pelo seu aniversário Paulinho!
    Tenho muito orgulho de ser sua irmã.
    Te amo muito...Tassia.
    Parabéns também pelo blog e pelas fotos lindas!

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  2. Tássia, muito obrigado pelo carinho e afeto!

    Tbm considero um privilégio ser ser Irmão!

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  3. Parabéns pelo Blog e por este texto sobre um dos maiores ícones da Literatura Israelense da modernidade!

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