sábado, 27 de março de 2021

Os Agudos do Tibagi!

Ybiangi, visto do Morro do Taff, 2007.

     Manhã de geada, inverno de 1989. Da sacada de sua casa, em Rolândia, um menino contempla o horizonte. Diante dele, o imenso vale do Tibagi. Plantações a perder de vista, sítios, florestas e estradas formavam interessantes formas geométricas, de variadas colorações. Mais além, identifica as silhuetas dos edifícios de Londrina. Seu olhar ávido e atento segue para o sul e encontra uma montanha distante, em forma de Pirâmide. Maravilhado, chama sua mãe, mostra a descoberta e pergunta: Que montanha é aquela? Onde fica? Como se chama? Será que alguém já subiu lá?  A mãe não sabia, mas propôs ao menino que a batizasse: Parece uma Pirâmide, mãe... E seguiram nomeando as demais montanhas no horizonte. Décadas se passaram, o menino cresceu e continuava sonhando com o dia em que pisaria no cume de sua Pirâmide...


Cume do Ybiangi, 2008.


     Sempre que descia a Graciosa com a família rumo ao Litoral, o menino extasiava-se com a imponência da Serra do Mar. Sentia uma espécie de ligação transcendental com as Montanhas, tal como o devoto diante de um Santuário... Uma placa, em uma das curvas da Graciosa, lhe chamou a atenção. Ela dizia: “Marumbi, o sonho não acabou”. Perguntou ao Pai o que era o Marumbi. Ele respondeu: Acho que é aquela Montanha gigante ali! O menino ficou boquiaberto... Anos mais tarde, ouviu um relato de seu tio que havia encarado um perrengue no Marumbi. O sonho de ascendê-lo, só foi realizar-se em 2003, no Abrolhos. Depois vieram Olimpo, Paraná, Caratuva, Itapiroca, mas a Pirâmide de sua infância continuava no horizonte, incógnita, imponente e desafiadora... Com o tempo, o jovem formou uma equipe e conheceu outros Montanhistas em Rolândia, Cambé e Londrina... Todos freqüentavam a Serra do Mar, mas ninguém sabia nada sobre a Montanha incógnita. Na internet, nem uma foto. Nem um relato. Nenhuma pista. O mistério persistia...

 

Ybiangi visto do Vale do Esperança.
              

Em 2006, o jovem se casou e teve seu primeiro filho. O tio de sua esposa, era marumbinista. Havia cursado Engenharia Mecânica na Federal do Paraná. Os laços de fraternidade, o levaram a escolhê-lo como padrinho de seu filho. Moravam no mesmo bairro e costumavam sair para caminhar ao entardecer. Falavam sobre Montanhas, Literatura, Maçonaria... Em uma tarde de inverno, o jovem mostra ao compadre a Montanha incógnita: E aquela lá? Como se chama? Onde fica? Finalmente, recebeu uma pista: Ouvi falar que se chama Pico Agudo e fica em São Jerônimo da Serra. Pouco tempo depois o jovem organizou uma expedição com dois amigos, a procura da Montanha. Ao chegar em São Jerônimo, perguntou pelo Pico Agudo. Informações desencontradas o conduziram em direção à Terra Nova. Próximo ao Distrito observou o belíssimo skyline da Serra ao sul. Seguiu perguntando e buscando estradas que o levassem na direção do Agudo. No alto de um espigão, havia um carreador que descia para o interior do vale. Como não havia outra alternativa, lançaram-se ladeira abaixo, com um Fiat uno. Chegaram ao sítio da família Truber. Foram bem recebidos. Pediram informações. Confirmaram que seria necessário cruzar o profundo vale do Rio Esperança, afinal o Pico estava em Sapopema.  Ansiosos, meteram a mochila nas costas e lançaram-se ribanceira abaixo. Caminharam algumas horas até chegar ao fundo do Cânion. Paredões de ardósia, nas margens do rio, conferiam aos remansos lindíssimos tons de azul e verde. Apelidaram a paragem de Valfenda. Atravessaram o Rio. A vegetação era espinescente. Levaram horas até divisar o imponente paredão de um majestoso Pico. Seguiram na direção da Montanha. Constataram que era a Serra Chata. Encontraram um caminho precário que levava ao pé do Pico Agudo. Chegaram a uma choupana, mas não havia ninguém. Exaustos, embrenharam-se novamente no mato em direção ao cume. Alcançaram a base do paredão perto do crepúsculo. Tiveram que cavar um local onde conseguiram armar uma barraca... Passaram a noite espremidos, no terreno inclinado... Na manhã seguinte puseram-se a procurar um local que permitisse a escalada do paredão. Há quinze metros do cume, em um trecho vertical, uma rocha se desprende e acaba acertando o joelho de um dos excursionistas. Definitivamente, aquele setor não era propício para uma trilha. Como não havia tempo hábil para novas tentativas, retornaram. No pé da Montanha encontraram o morador da choupana, Livercino. Ele explicou que o melhor caminho para chegar ali (Fazenda I-Nhó-Ó) era pelo Bairro Lambari e indicou uma fenda por onde alguns moradores da região, eventualmente, costumavam subi-lo. O cume ficaria para a próxima...

                              

Cume do Ybiangi visto da Agulha de Maack.

  Algumas semanas após, o jovem convenceu seu pai a acompanhá-lo em uma nova incursão. Não havia trilha definida e os caminhos de gado pelo capim colonhão dificultavam a orientação. Chegaram próximos ao local indicado por Livercino e puseram-se a escalaminhar o paredão. Com alguma dificuldade chegaram ao cume. Contemplaram um 360 de tirar o fôlego. Instintivamente, o Jovem fixou como meta percorrer todos os cumes da fantástica Serra. Encontraram um caderno instalado algumas semanas antes pela equipe do escalador curitibano Andrey Romaniuk que, em 2011, em companhia de Alessandro Haiduke, conquistaram a Torre Menor do Ybiangi e a batizaram como ‘Agulha Reinhard Maack’. 2007 foi o divisor de águas na história do Pico Agudo. Os primeiros relatos e imagens na internet romperam definitivamente o anonimato da Montanha e começaram a atrair outros aventureiros de várias regiões do Paraná. Em apenas uma década, o turismo explodiu e, com ele, surgiram as pousadas, restaurantes, luz elétrica, guias credenciados, cobrança de ingressos e melhor infraestrutura (que reduziram em 2/3 a caminhada para o cume da Montanha). Neste período houve a instalação de correntes, degraus e cordas para o conforto e segurança dos turistas. Desde então, tal como as principais montanhas da Serra do Mar, o Ybiangi vem sofrendo com a degradação e o vandalismo. Atualmente, medidas de preservação e conscientização vêm sendo implementadas pelos gestores da RPPN e do Município de Sapopema.

                                                      

Visual do Morro Caviúna (Face Norte da Serra Grande) 

Com a atenção da mídia e dos turistas completamente voltadas para o Ybiangi, o jovem (perto dos seus 40 anos) seguia abrindo trilhas por sua amada Serra. Esteve no Taff (2008), Serra Chata (2015) e Agulha Reinhard Maack (2018). Em maio e junho de 2020, abriu a sonhada Travessia da Serra Grande, percorrendo o Pico do Meio, Portal e as cristas topográficas do platô da Face Norte batizadas como Calcanhar (1.054m), Guarani (1.036m) e Caviúna (1.040m). Como um dos protagonistas e testemunha da história recente do Ybiangi imagina que, em pouco tempo, o puro Montanhismo que ainda pode ser vivenciado nas cumeadas menos famosas e mais agrestes dos Agudos, fatalmente darão lugar as agências de turismo, comodidades, burocracia, ingressos e autorizações...

(Escrito para o Livro 'Puro Montanhismo: Os Conquistadores' de Júlio César Fiori e Henrique Paulo Schmidlin, p. 346 à 350)

sábado, 13 de março de 2021

Homenagem à Murilo Gatti!


Quanto mais o tempo passa, mais sou absorvido pelos compromissos... Filhos, esposa, empresa, prazos, processos, contas, obras, DeMolay, Maçonaria, esportes... Tudo isso me faz bem. Entre um compromisso e outro, me pego pensando: preciso escrever... Mas falta tempo. Há poucos dias, perdi um grande amigo que merece minha homenagem: Murilo Gatti. Muito já foi dito sobre sua corajosa batalha contra o câncer, sobre como foi um excelente jornalista, pai, filho, irmão, amigo e marido. Murilo é uma unanimidade entre nós! Nunca deixei de acompanhá-lo e, revirando meus arquivos, reli suas matérias e colunas... Saudades! Murilo era apaixonado por política e literatura. Participou da fundação do Jornal de Rolândia e cobria a Câmara Municipal. Eu era Vereador. Após as sessões, saíamos para tomar cerveja no Bicudo. Éramos jovens... Debatíamos sobre tudo: Kafka, Dostoievski, Hesse, as matérias do Legislativo, processos judiciais, política nacional, internacional, metafísica... Eu era militante de esquerda. Murilo já estava além. Chamava minha atenção com a sutileza que lhe era peculiar. Fazia-me refletir. Parece que tinha intuição do que estava por vir nos anos seguintes! Vai saber... Tive a honra de contar com seu apoio nas eleições de 2004. Fizemos uma boa votação, mas o partido não atingiu o coeficiente eleitoral. Fazer o que? É a vida... Sou eternamente grato e, felizmente, tive a chance de dizer e demonstrar isso a ele. Acompanhei o início de seu casamento, o nascimento de sua primeira filha e os primeiros passos da carreira em Maringá. Lá ele se tornou referência no jornalismo paranaense. Eu sabia! Murilão era bom em tudo que fazia. Como sei que ele acreditava na corrente de Luz Eterna, encerro com sua clássica e significativa frase: É a vida e a vida continua... Até breve, meu Irmão!